terça-feira, 31 de março de 2020

A FELICIDADE NO FUTEBOL MURCHOU


POR: JOSÉ BRILHANTE

CARTOON: JUNIOR FUZIEL


Aquele campinho meio areal e capim, de traves feitas de qualquer madeira, com os curumins sujos, dos pés à cabeça de poeira, terra, lama (quando chovia), correndo pra lá e pra cá, com um sorriso largo no rosto e que chegavam em casa já pela noitinha, exaustos pronto pra tomar um banho, “desmaiar” na rede de cansaço para dormir, já não existe mais.
A tuíra na canela, os “cordões” preto de sujeira no pescoço, e a alegria de dizer “quero ser jogador de futebol” também se foram, junto com as brincadeiras que os marcavam.
Mas, nos tempos dantes, esperava as 5 horas da tarde, com o sol baixo, a ansiedade já tomando conta pra encontrar a rapaziada já formando os times. Os que chegavam depois e os “pernas de pau” eram escolhidos por último. Dessa forma, acontecia a seleção natural dos talentos, porém, nunca ninguém ficava sem jogar, por mais ruim que fosse.  
Quando valia um refrigerante, era final de “Copa do Mundo”. Falta? Só quando sangrava ou quando era no dono da bola. Esse podia ameaçar e acabar com a alegria de todos, confiscando a pelota.  
As contusões eram inevitáveis. Uma ralado no joelho, um beiço espocado ou uma unha arrancada, nunca abalava o jogador! O remédio era colocar terra em cima, sempre com o medo mortal da mãe descobrir.
Bola sempre foi artigo de luxo, as feitas de material reciclado, quebravam um galho. Bastava muitas sacolas de plásticos, linha à disposição e paciência para fazê-la. Calçado pra jogar, nem passava pelos pensamentos. Os pés se adaptavam ao chão e a Kichute era o grande sonho.
Toda essa magia formava-os, porque muitos levavam isso para os grandes campeonatos, quando alguns davam sorte de viver o grande sonho, de ser um “Ronaldo da vida”, de cabelo cascão.  
Mas, depois de um certo tempo, o futebol ficou chato, sem beleza nos dribles e jogadas sensacionais de improviso. E pra completar, muitas outras opções surgiram. A garotada esqueceu o chão gramado. Agora se reúnem para jogar online, ficar o dia todo com a cara na tela, dando tiros virtuais ou rolando com os dedos para ver a timeline alheia por horas.
Os que ainda seguem no sonho de entrar para o mundo clamoroso do futebol, mudaram suas prioridades. O espetáculo e os gols ficaram em segundo plano. E agora, só entram em campo para “modelar” e ganhar muitas curtidas com o novo corte de cabelo excêntrico ou a nova tatuagem maneira. 
O profissional que era unanimidade aos domingos, ficou tedioso de se ver. Não pode mais tirar a camisa em comemoração ou provocar o adversário. Nem driblar com maestria pode mais.
Aquele elástico maravilho, inventado por “japonês” (jogador do Corinthians), aprimorado e realizado por Rivellino já no Fluminense, em pleno Maracanã em 1975, está quase proibido, em extinção, porque o adversário pode se sentir humilhado.  
O futebol ficou mecânico, com jogadores robotizados nos modos. É tanta pressão pra resultados positivos e ganhar dinheiro, que os futebolistas ficam com o psicológico em frangalhos, junto com o técnico que desenvolve vários problemas, inclusive cardíacos (ex: Muricy Ramalho que abandonou a carreira e virou comentarista, Abel Braga, Renato Gaúcho, Cuca e outros). A bola ficou danosa para os que se envolvem profissionalmente com ela.
Até a pelada ficou profissional demais. O “gramado de areia” com cachorros passeando no meio do jogo e torcida no “cangote” gritando, desapareceram, com a falta de espaço e o avanço do “progresso”. Se quiser jogar uma “bolinha”, tem que pagar no mínimo trinta reais.
O show é uma raridade de se ver. É uma tal de retranca e jogadores com medo de errar e perder patrocínio, que acabam judiando da bola. Dentuços com sorrisos e genialidades extraterrestre (Ronaldinho), Patadas Atômicas (Rivellino), Canhotinhas de Ouro (Gerson), Reis (Pelé), Canhões da Vila (Pépe), Diamantes Negros (Leônidas da Silva) e Galinhos (Zico), não surgem mais. A elegância e o fino trato para com a pelota se foram sem dar a Deus, se aposentaram com a velha guarda.




sábado, 21 de março de 2020

“Mãe Querida”: o zagueiro parintinense que jogou por 27 anos no Sul América


Edmilson Mãe Querida, jogou por 27 anos no Atlético Sul América Clube, três anos pelo São Cristóvão e foi convidado para fazer teste no Vasco do Rio de Janeiro, com apenas 19 anos. Só não foi porque os pais não permitiram. 


POR: JOSÉ BRILHANTE
Mãe Querida nos tempos atuais e campeão em 1970 pelo Sul América

Com apenas 15 anos em 1954, em uma Parintins pacata, com seus encantos da década de cinquenta (cinemas, passeios nas praças, brincadeiras de bois na rua e cabarés), e com o futebol como principal entretenimento, Edmilson, mais conhecido como Mãe Querida, começava a carreira no futebol.
O primeiro clube que o aceitou foi o Sul América, o Sulamba, por intermédio de Codibí que o convidou.  Segundo Mãe Querida ainda não tinha recebido convite de ninguém: “Ninguém tinha me convidado, aí como eu gostava de bola e sabia que o clube tinha jogadores bons, fui para o treino, onde seu Davi, o técnico, me observou e gostou de mim”. Desde então entrou no time.  

O clube na ocasião, treinava no campo do Bangu, que depois virou o campo do Estrela do Norte, chamado Quebra “Pica”, e onde atualmente se encontra o curral do Boi Caprichoso.

Na época que Mãe Querida começou, o estádio Tupy Cantanhede ainda nem existia, era o tabladão. O palco da história futebolística da ilha tupinambarana, foi fundado somente em 1957, com o nome de seu idealizador. 

Edmilson com o círculo vermelho. Data da foto desconhecida

Como Parintins nunca teve um futebol profissional, os jogadores sempre foram amadores e tinham outros empregos. “Saía do trabalho, como estivador do porto, na carreira para o campo. Gostava tanto de jogar, que nem parecia que passava o dia todo trabalhando no pesado.  Chegava pronto para o jogo!” relata Edmilson Mãe Querida, com felicidade no rosto. 


CONVITE PARA JOGAR NO VASCO DA GAMA
Na ocasião, em 1959, com apenas 19 anos, era titular do Sul América e estava trabalhando como estivador, embarcando juta em um navio que ia para o Rio de Janeiro. O comandante da embarcação, também sócio proprietário do clube vascaíno, sabendo do talento do ainda garoto Edmilson, fez a  proposta:
 
- Você quer fazer um teste no Vasco da Gama?
- Se o senhor permitir, eu quero – responde Edmilson Mãe Querida
- Então vou fazer o seguinte, amanhã tu já viaja – respondeu o comandante, encantado pelo futebol do garoto parintinense.

Na manhã seguinte, Edmilson, com as malas prontas e o entusiasmo lá no alto, ouve o pai indagando pra onde ele ia.

- E essa maleta? Perguntou o pai
- É para ir pro Rio de Janeiro, papai, fazer um teste no Vasco da Gama – respondeu Mãe Querida
- Você não vai, não tem nada assinado.

Aí o sonho de Edmilson foi embora, depois da obediência perante o pai. O temor era justificável. Na época, sem muitos conhecimentos, muito maldade era disseminada ou inventada para os parintinenses, quando se tratava de grandes cidades.   

TÍTULOS
Com uma longevidade incrível em um só clube, o grande zagueiro, não deixou de ganhar títulos nos vinte e sete anos que atuou no Atlético Sul América Clube. Conquistou 13 títulos (1957, 1958, 1959, 1960, 1964, 1965, 1967, 1969, 1970, 1973, 1974, 1977, 1980) do campeonato parintinense. Mas fotografados, a equipe de reportagem conseguiu somente três títulos.  Muito por causa da dificuldade tecnológica da época, que não existia na cidade e também por mais de 70 anos que se passaram e os arquivos foram se perdendo com o tempo. 
Campeão de 1967, Sul América. Em pé: Edval Viana, Lelé, Balaustre, Edmilson Mãe Querida, Dodô Menezes e Mario Gama. Sentados, estão, Juran Vieira, Paulo Menezes, Cabinha, Ednei Faria e Zé Augusto. Foto: livro Ecos da saudade


Sul América Campeão de 1969. Em pé: Sulanca, JJ, Lelé, Edival, Sabá, Edmilson Mãe Querida, Alan e Dodó. Agachados estão, Geraldo, Preto, Nonato, Paulo Castro, Sebastião, Bóda e Tenório.

Sul América, campeão de 1970. Em pé, da esquerda para direita: Sulanca, Nonato Carcará, Aldari, Mãe Querida, Paulo Castro e Dodó. Agachados: Viana, Alan, Preto, Boda, bode Bartolomeu, Pena e João Júlio.
Foto: acervo pessoal de Paulinho Faria

APOSENTADORIA
Edmilson, ficou no Sulamba por 27 anos. Entrou no time sendo apenas um menino. Saiu já com seus 42 anos e, encerrou a carreira no São Cristóvão, jogando mais três anos. Agora já octogenário, aproveita a vida na igreja, passeando pela cidade e conversando nos finais de tarde, na frente da catedral, com os amigos das antigas. 
 






 

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