POR: JOSÉ BRILHANTE
Ilustração: Junior Fuziel
Juca conta a história, toda vez que tem a oportunidade. As crianças adoram, arregalam os olhos e ficam ressabiadas de passar pelo mesmo local, onde aconteceu o sobrenatural.
Era vazante, época de fartura e terra fértil. Tudo que se plantava, brotava frondosamente. A paisagem ficava linda, com belas praias marrons misturando-se com centenas de pés de feijão e milho, bem verdinhos, próxima a água barrenta.
O local cresceu no misticismo. O boto rosa que vinha em busca das moçoilas, a feiticeira que se transforma em onça para comer gados dos fazendeiros ao redor (sempre tinha carne em abundância na casa dela) e a coruja rasga mortalha, que visitou a porta do amigo e vizinho de Juca, dias antes de morrer. Quando ela passa, anuncia morte.
Com a partida do amigo, os costumes sempre falavam mais alto: após a morte de alguém próximo, ninguém poderia ir nas plantações, fazer qualquer coisa, porque apodrecia tudo e de todos, perdia-se toda produção. Era uma semana de luto.
Juca estava aperreado. Teria que mandar algumas melancias para cidade e quitar uma dívida na pequena mercearia da comunidade. O dono já estava cobrando há tempos.
-Eu quero meu dinheiro cabra. Você já está me enrolando há mais de 5 meses- falou o dono da quitanda
- Meu compadre acabou de morrer, você não tem coração?
- Eu tenho coração e muita dívida para pagar! – lembra o quitandeiro
-Tenho uma plantação de melan...! Juca não termina a frase, sendo interrompido. - Eu quero dinheiro seu safado. Somente isso. Senão mando te dar uma surra, da bem dada! - decretava quem estava no prejuízo.
“E agora meu compadre, me ilumina aí de cima. Não faça que apodreça o resto de minhas plantações” disse Juca, rogando ao amigo.
Após muitos pedidos ao amigo celestial, as 5 horas da manhã, do outro dia, ele se arruma para lida, mesmo sabendo que a atitude poderia ser desaprovada por todos, era até um despeito. Mas não tinha escolha. O risco de beber somente liquido pelas próximas 8 semanas, fazia suas pernas tremerem.
Juca, colocou o chapéu de couro, calça grossa, camisa mangas comprida, a espingarda (nunca se sabe quando pode encontrar uma caça no meio da estrada), botas sete léguas, e foi para plantação, sem saber o que poderia acontecer. A surra era coisa leve perto do que ia enfrentar.
Ele trabalhava sozinho e lentamente, colhendo as melancias. O barco comprador, passaria somente no outro dia. E sem pressa, as horas passaram, até a hora de largar o serviço, à noite. Mal sabia o que poderia estar lhe esperando.
Percebendo que não enxergava mais nada, além da escuridão, Juca, arrumou-se e caiu na estrada. Tudo aquilo de frutas colhidas, já pagava sua dívida com seu credor.
A caminhada era longa. Cada revoada de morcego e cânticos de coruja, arrepiava-se todo. Pedia ao amigo falecido, que o livrasse de qualquer mal. Mas, não foi atendido. Ao longe, Juca ver uma moita se mexendo, e o coração palpitava a mil. As pálpebras aguçaram e, uma silhueta humanoide, com mais de 2 metros, estava se aproximando dele.
No mesmo instante, os reflexos se foram. As mãos não aceitavam mais o comando do cérebro. Mas, lembrou que tinha a espingarda nas costas. Tentou atirar e a arma travou.
Logo depois, um vento frio bateu no rosto, com Juca armado, mas sem eficácia. A única solução foi enfrentar de frente o desafio.
Sem esperanças, observou direito e, estava bem próximo dele, um macaco andando em pé, de olhos vermelhos, babando de raiva, dando gritos e batendo no peito, parecendo estar com muita fome. Aí pensou logo: “Devo ser a janta dele. Esse macaco não é daqui. Deve ser o demônio. Meu Deus... me salva! ”.
A primeira reação foi correr, mas não adiantava. Quanto mais corria, o algoz sempre estava perto. Sem opções, a única coisa que fez, foi entrar em luta corporal com o bicho.
Mesmo sabendo que a batalha já estava perdida, acabou usando a arma como porrete, já que não estava atirando. Acertou bem na cabeça do macaco, para depois ver a espigar se espatifar em pedaços. De lá, só sentiu uma patada no peito.
Após muita demora, alguns moradores deram por falta de Juca. Ele praticamente sumiu da comunidade. Fizeram um mutirão em busca do morador. Depois de algumas horas de procura, o encontraram caído, desmaiado, com um grande roxeado no peito, parecido com uma mão de homem, só que muito grande.
O trouxeram para a cede da comunidade e a notícia que Juca tinha sido encontrado morto, se espalhou rápido. Quando deram por conta, dezenas de curiosos, já o velavam.
E para mais surpresa, o “morto” levanta da mesa de onde estava estirado, dá um grande susto no povo, pedindo um copo de agua, para em seguida poder contar o que houve. Como ressurgiu dos mortos e o que tinha lhe acontecido.
Juca disse, rodeado de gente, que brigou com um grande macaco: “Era enorme, parentada. O bichão parecia um demônio. Até tentei atirar nele, mas a espingarda não prestou. Até dei uma cacetada, mas o macacão, tinha forças extraordinárias. Depois daí, peguei um tapa no peito e não lembro de mais nada”.
Até o dono da taberna, se rendeu ao sobrenatural e resolveu dar um prazo maior para o ressuscitado, vítima do demônio macaco, pagar sua dívida.
Nunca mais o macaco foi visto. E Juca, depois do ocorrido, sempre respeitou os dizeres ribeirinhos.