POR: JOSÉ BRILHANTE
Era uma região onde quase ninguém chegava, lá pelas bandas
do Jará. Mas Antônio e Juvenal, descobriram por acaso aquele local de pesca. O cenário era lindo, rodeados de grandes paredões
verdes, com muitos cânticos de pássaros e macacos. No meio tinha o rio, com
muita abundância de peixes.
Eles pescavam quase todos os dias, nas madrugadas a fio, chamada
de “porongar”, onde suas presas são mais fáceis de ser capturadas.
Eram somente pescadores e, não sabiam nada da história daquele
vale misterioso e intocável, muito mistificado por uma velha “louca”, que
acabaram conhecendo, quando gritava de sua casa, onde morava sozinha a beira
rio.
“Eiiii...Vocês não
devem pescar aí, ela fica brava, a mãe do rio. Não a incomodem. Vão embora” gritava a velha, gesticulando para os pescadores.
Antônio e Juvenal, ficavam se entreolhando e trocavam
poucas palavras: “Essa mulher é louca ou
só quer nos assustar e ficar com todo o peixe”.
Para “quebrar o gelo” e conseguir algumas regalias antes do
trabalho, os pescadores tomaram coragem e simpatizaram com a desconhecida. E ficaram surpresos ao descobrir que Lurdes era uma boa pessoa.
Depois dessa amizade conquistada, todas as madrugadas eles
encostavam em seu porto para pedir guarita e um cafezinho.
Na maioria das vezes eram recebidos com carinho. Ela só surtava
quando estavam pescando, e sempre aconselhava para assusta-los mais: “Vocês
estão enfurecendo os mortos, eles querem o rio só para eles, seus teimosos”.
Antônio e Juvenal, nunca levavam a sério. Sabiam que no
outro dia ela daria o mesmo sermão e, tudo continuaria como sempre esteve: eles
pescando com os mortos bem mortos.
Como de costume, a bela madrugada estava aflorava e o luar
transformando o crepúsculo quase em dia. Estava tudo normal, nada além da pequena canoa, redes de pesca e dois homens sonolentos. Faziam o trabalho até
dormindo se fosse possível.
Assim, partiram para o local, foram recebidos pela
velha amiga e alertados como sempre, do descontentamento da mãe das águas (o
ser sobrenatural que afugentava os intrusos).
A noite era luar, só ouvia o barulho da canoa e o atrito de
redes caindo na água. No momento que o último fio de pesca afundou, sentiram um
frio congelante passar pelas suas entranhas, seguido de um tremor
incontrolável.
O ar ficou visível, com aspecto de gelo, fazendo com que
suas respirações ficassem pesadas. Foi como algo transpassando por dentro
deles, passeou pelos corpos e saiu, indicando a água, que ficou tão mansa ao
ponto de hipnotiza-los. Era um brilho inconfundível, como se os tivessem atraindo
para dentro dela.
Ficaram petrificados com os olhos vidrados por alguns
segundos, olhando o brilho intenso no fundo do rio, que os chamava. De repente!
Um grito ecoou em seus ouvidos: “Saiam
daquiiiiiiii, saiam daquiiii”.
O grito se fez presente por duas vezes, surgindo do nada e
findando, fazendo-os despertar daquele sonho acordado. Em seguida, já alertas,
ouviram um choro de criança. Agora vindo da mata. O som viajava entre as árvores
e chegava até eles, angustiantemente perturbador.
A solução foi fugir. Deixaram as redes para
trás, colocaram forças nas remadas, e foram embora o mais rápido possível.
No amanhecer, já em terra firme e com alguns amigos, os
dois assombrados contaram a história. O boato se espalhou como rastro de
pólvora, e não demorou muito para candidatos corajosos irem investigar.
Um grupo, de dia é claro, foram ao rio. Seguindo as dicas
de Antônio e Juvenal que nunca mais quiseram voltar.
Ao adentrarem na mata, caminharam até encontrar um
cemitério, muito antigo, com raízes entrelaçadas nas cruzes, quase fazendo parte
da floresta.
O cemitério era de uma família, que supostamente, segundo Lurdes,
foi dizimada pela gripe espanhola, ocorrida no mundo todo, durante e após a
primeira Guerra Mundial.
Foi um mistério, os corajosos, associaram os gritos aos mortos enterrados na mata e começaram a levar mais a sério aquela velha estranha, que morava a
margem do rio.
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