segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Causos de fantasmas: os mortos também choram


POR: JOSÉ BRILHANTE 

Ilustração: Junior Fuziel


Era uma região onde quase ninguém chegava, lá pelas bandas do Jará. Mas Antônio e Juvenal, descobriram por acaso aquele local de pesca. O cenário era lindo, rodeados de grandes paredões verdes, com muitos cânticos de pássaros e macacos. No meio tinha o rio, com muita abundância de peixes.

Eles pescavam quase todos os dias, nas madrugadas a fio, chamada de “porongar”, onde suas presas são mais fáceis de ser capturadas.

Eram somente pescadores e, não sabiam nada da história daquele vale misterioso e intocável, muito mistificado por uma velha “louca”, que acabaram conhecendo, quando gritava de sua casa, onde morava sozinha a beira rio.

“Eiiii...Vocês não devem pescar aí, ela fica brava, a mãe do rio. Não a incomodem. Vão embora” gritava a velha, gesticulando para os pescadores.

Antônio e Juvenal, ficavam se entreolhando e trocavam poucas palavras: “Essa mulher é louca ou só quer nos assustar e ficar com todo o peixe”.

Para “quebrar o gelo” e conseguir algumas regalias antes do trabalho, os pescadores tomaram coragem e simpatizaram com a desconhecida. E ficaram surpresos ao descobrir que Lurdes era uma boa pessoa.

Depois dessa amizade conquistada, todas as madrugadas eles encostavam em seu porto para pedir guarita e um cafezinho.

Na maioria das vezes eram recebidos com carinho. Ela só surtava quando estavam pescando, e sempre aconselhava para assusta-los mais: “Vocês estão enfurecendo os mortos, eles querem o rio só para eles, seus teimosos”.

Antônio e Juvenal, nunca levavam a sério. Sabiam que no outro dia ela daria o mesmo sermão e, tudo continuaria como sempre esteve: eles pescando com os mortos bem mortos.

Como de costume, a bela madrugada estava aflorava e o luar transformando o crepúsculo quase em dia. Estava tudo normal, nada além da pequena canoa, redes de pesca e dois homens sonolentos. Faziam o trabalho até dormindo se fosse possível.

Assim, partiram para o local, foram recebidos pela velha amiga e alertados como sempre, do descontentamento da mãe das águas (o ser sobrenatural que afugentava os intrusos).

A noite era luar, só ouvia o barulho da canoa e o atrito de redes caindo na água. No momento que o último fio de pesca afundou, sentiram um frio congelante passar pelas suas entranhas, seguido de um tremor incontrolável.

O ar ficou visível, com aspecto de gelo, fazendo com que suas respirações ficassem pesadas. Foi como algo transpassando por dentro deles, passeou pelos corpos e saiu, indicando a água, que ficou tão mansa ao ponto de hipnotiza-los. Era um brilho inconfundível, como se os tivessem atraindo para dentro dela.

Ficaram petrificados com os olhos vidrados por alguns segundos, olhando o brilho intenso no fundo do rio, que os chamava. De repente! Um grito ecoou em seus ouvidos: “Saiam daquiiiiiiii, saiam daquiiii”.

O grito se fez presente por duas vezes, surgindo do nada e findando, fazendo-os despertar daquele sonho acordado. Em seguida, já alertas, ouviram um choro de criança. Agora vindo da mata. O som viajava entre as árvores e chegava até eles, angustiantemente perturbador.  

A solução foi fugir. Deixaram as redes para trás, colocaram forças nas remadas, e foram embora o mais rápido possível.

No amanhecer, já em terra firme e com alguns amigos, os dois assombrados contaram a história. O boato se espalhou como rastro de pólvora, e não demorou muito para candidatos corajosos irem investigar.

Um grupo, de dia é claro, foram ao rio. Seguindo as dicas de Antônio e Juvenal que nunca mais quiseram voltar.

Ao adentrarem na mata, caminharam até encontrar um cemitério, muito antigo, com raízes entrelaçadas nas cruzes, quase fazendo parte da floresta.

O cemitério era de uma família, que supostamente, segundo Lurdes, foi dizimada pela gripe espanhola, ocorrida no mundo todo, durante e após a primeira Guerra Mundial.

Foi um mistério, os corajosos, associaram os gritos aos mortos enterrados na mata e começaram a levar mais a sério aquela velha estranha, que morava a margem do rio. 



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