segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Causos de fantasmas: Ouro do além

 

 POR: JOSÉ BRILHANTE

CHARGE: JUNIOR FUZIEL


Ele nunca vem para os corajosos e gananciosos. Os espertos acabam o encanto. Adiam o presente para outro felizardo. O medroso é o escolhido, pelo dono do tesouro, que falecera centenas de anos atrás.

Não existiam bancos por essas paragens, nos tempos dos desbravadores da Amazônia. Os tesouros levados por eles, na maioria das vezes eram enterrados. Quando uma grande praga dos trópicos dizimava a colônia, todas as pedras preciosas e principalmente objetos de ouro, eram esquecidos e engolidos pela floresta.

Francisca uma ribeirinha, cresceu ouvindo histórias de encanto, onde o além enriquecia os compatriotas com avisos: uma centelha de fogo indicava o local ou o dono vinha como demônio rolando pelo chão, mostrar seu carma e o motivo de sua cólera depois de morto.

Acostumada a lidar coma vida do interior, chica como era seu agrado, estava na gestação do quinto filho e, trabalhava fazendo farinha até seus últimos meses de grávida. Tinha até um ditado: “Filhos fortes e saudáveis, começam a trabalhar ainda na barriga”.

Tempo vai e vem e, o último mês para dar  a luz ia chegando. Pelas dificuldades da idade, 35 anos, ela acabou diminuindo sua carga de trabalho. Suas tardes ficaram para se refrescar na rede, embaixo de um cajueiro na sombra. Aquele era seu deleite: conseguir pegar no sono com um vento, sem carregar o peso do barrigão.   

Ramos, o marido, acabou ficando mais ocupado, sempre trabalhando, mas ouvindo a esposa dizer que nos cochilos da tarde, escutava vozes lhe chamando.

- Uma voz conhecida me chama meu velho! Eu me desperto do leve sono e olho ao redor, não vejo ninguém. Só os passarinhos cantando.

- É minha velha, tu já deve está caducando - falou o marido rindo, quando viu a cara de desaprovação da esposa. – Isso deve ser só impressão tua, te acalma, não deve ser nada - termia a acalmando.

Era só Francisca colocar a rede, para os ventos trazerem a voz, entrelaçada pelas folhas caindo, como se o ar fresco viesse como um alto-falante, que só ela escutava.

Mesmo com “vista grossa” de Ramos para a situação (ele não estava acreditando muito), ela decidiu dar uma espairecida. Viajou para casa da mãe, na cidade, e os acontecimentos sessaram. Uma semana tranquila sem vozes a lhe aperrear na hora do sono. Mas, no instante que chica voltou para o aconchego do lar, crente que estava livre das vozes, elas voltaram.

Os olhos já iam se fechando quando escuta de novo: “Senhora, por favor, me escute, estou sofrendo, me ajude”.

Ela abriu os olhos de vez, tomou um grande susto, dando gritos descontrolados, toda se tremendo, parecendo que ia desfalecer. Mas, recuperou-se e viu que estava na frente de um jovem negro, com roupas feitas de sacas farrapentas, uma espingarda nas costas e um chapéu de palha, mais velho ainda.

Francisca não acreditou, reconheceu a voz de seus leves cochilos, esfregou os olhos para ver se o homem sumia. Mas ele continuava lá, pedindo ajuda, sem seu marido por perto. Ele certamente, se vesse, iria acreditar nela.

- Eu preciso me livrar desse carma, me liberta por favor. O meu Coroner, no leito de morte, deixou-me essa maldição, um tesouro. Eu nunca o encontrei, acabei com anos de minha vida procurando, até morrer! Me ajuda. Só me libertarei quando você encontrar. Agora eu sei onde está. Não sinta medo, sou o dono do tesouro, ele deixou para mim. Você pode me liberar dessa maldição e ainda ficar rica.

Nesse instante, chica ficou petrificada de medo, sabia que o homem não era real ou era um personagem das histórias que ouviu na infância. Mas, após ter certeza que aquilo estava acontecendo, fez o que jamais tinha imaginado, respondeu ao fantasma sofredor:

- Eu vou te ajudar. Onde está o que te aprisiona e não deixa você ir?

- Está debaixo desse cajueiro, onde dorme todas as tardes. Você tem que tirar essa noite, mas faça sozinha - disse o fantasma desaparecendo.

Chica muito apavorada, meio atordoada, nunca que ia no meio da noite, grávida, cavar a terra com muito medo de fantasma, era capaz de abortar. Acabou esperando o marido chegar para lhe ajudar a ficar rica.

- Meu velho, estou com muito medo, me ajuda. Sabe aquelas vozes? Era uma visagem, ele está sofrendo e quer me dar riquezas.

Caído em si, o marido já meio chateado, resolve tomar uma atitude: “Vamos tirar o tesouro essa noite, como ele disse, para ver se é verdade”.  A noite caiu e lá estava chica e o marido.

Com muita força ele começa a cavar. Após alguns minutos, a ferramenta bate em uma caixa de madeira, linda como nunca viu. Olhou para esposa e disse: “É aqui minha velha, acho que vamos ficar ricos”.

Na hora que abriu a tampa de madeira, viu seus ouros e pedras preciosas, transformarem-se em carvões, tão brilhantes que chegavam a ofuscar a vista. Ramos não acreditou. Uma fortuna, esvaiu-se por suas mãos. Chorou copiosamente até perder as lágrimas e dar-se por convencido que tinha perdido tudo, quebrando o encanto.

As riquezas eram para Francisca, e não para ele. Só ela poderia libertar o fantasma do seu sofrimento eterno.

 

  


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