sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Railson: “Sou goleiro, marujeiro, artista e meu sonho é andar”


O apoio da família é muito importante para o pequeno guerreiro, inclusive caminhando quilômetros, quase todos os dias, para manter sua rotina. Nunca gostou de ser tratado como coitadinho. “Sou uma pessoa normal, quero que me tratem sem diferenças. Tenho sonhos e vou realizar”.

POR: JOSÉ BRILHANTE
Railson fazendo o que mais gosta


Tudo começou quando tinha seis meses de gravidez, e foi fazer o ultrassom. Lucinei Tavares, uma jovem de apenas 21 anos de idade, em 2008, descobriu que seu filho que viria a receber o nome de Railson, teria uma rara doença chamada Artrogripose (se caracteriza por contrações nos músculos, causando deformações) com 56 casos diagnosticados em todo o Brasil. Mas a jovem mãe, só ficou sabendo das supostas deformações nas mãos de seu filho. Nas pernas só foi descobrir após o nascimento. 
A batalha somente começava para Railson. Com apenas um mês de vida, foi transferido para Manaus, onde teria um tratamento. Na capital, a luta pela sobrevivência foi ainda maior, devido a um gesso colocado em suas pernas, para separa-las. Os membros inferiores, eram juntas uma na outra, sem espaço para abri-las. Usou o imobilizador durante quatro anos e meio, quando desenvolveu uma alergia e foi obrigado a tirá-lo.  
Dentre esses anos de gesso nas pernas do filho, a guerreira Lucinei não desistiu: “Era uma luta para dar banho. Tinha que colocar as pernas imobilizadas para fora. Nos virávamos como podia. Ele sofria muito, quando erravam o molde de gesso, era pior”.
Sua vida mudou quando voltou para Parintins há um ano atrás, no final de 2018. Começou a conhecer os projetos e a participar de muitas atividades. 
Há um apoio imenso por parte da família. Um carinho percebido por meio de gestos e esforços imensuráveis. Seu padrasto Samuel Nascimento e sua mãe Lucinei, fazem de tudo. Caminham quilômetros, quase todos os dias, para manter o filho Railson, e mais dois irmãos com suas atividades, inclusive a escola (Valdemira Bentes), onde faz o quinto ano do Ensino Fundamental.
Desbravam a cidade a pé, sem reclamações e empurrando à cadeira de rodas. “Fico chateado quando vou com meu padrasto e minha mãe por aí e acham que sou coitadinho. Sou capaz de fazer o que eu desejar” fala Railson com um ar de esperança.

“Quero ser um juiz de direito. Mas meu maior sonho é poder andar, para pedalar de bicicleta” diz Railson. 

O encontro com o futsal e a posição de goleiro

A primeira vez foi na praça dos bois, nas quadras de concreto, quando seus pais o levaram. A experiência não foi muito boa, porque acabou machucando as mãos. Era em umas férias quando só tinha 8 anos de idade. Apesar dos machucados, uma centelha de entusiasmo acendeu no pequeno para o futsal.
Após anos, já com 10 anos, voltou de vez para Parintins e conheceu um projeto de extensão da Ufam, dirigido pelo curso de Educação Física da universidade, intitulado Programa de Atividades Motoras para Pessoas com Deficiência (Proamde), que pela demanda também oferece esportes para o público em geral da cidade. 
Descobriu a posição de goleiro ainda em Manaus e se encaixou na posição devido não ter muita velocidade para jogar na “linha”. Não gosta de moleza. 


Exige chutes fortes, e principalmente de não ser tratado com privilégios e nunca ser chamado de coitadinho. “Ele gosta de jogar como as pessoas normais, não que ele não sege. Quando nós morávamos em Manaus, sempre treinava como goleiro. A primeira vez que ele foi para Ufam ficou encantado” relata Samuel, o padrasto. 

Quando se machuca, não fala nada. Fica temeroso que não o levem mais para o projeto, onde pratica o futsal. Mas, nada disso irá acontecer. A família que é constituída pelos pais e mais dois irmão são o alicerce de Railson, e nunca irão tirá-lo da atividade que lhe faz feliz, mesmo que as vezes se machuque um pouco.
Como bom admirador do futebol em geral, é torcedor ferrenho do Corinthians e gosta muito do goleiro da Seleção Brasileira Ederson e, do atacante Francês Mbappé.
Nunca deixa de jogar, mesmo nos dias que não tem projeto. É só chegar as 14hs que fazem uma pequena trave, ele e o padrasto, para praticarem no quintal de sua casa até o entardecer.

Artista e Marujeiro do Caprichoso 

Era uma noite de carnaval onde Lucinei e Railson estavam assistindo as apresentações das escolas de samba de São Paulo pela televisão e, viram um rapaz com deficiência visual nos tambores. Aí pensaram juntos na oportunidade que tinham de participar aqui do Festival Folclórico.
Escolheu ir para o Boi Caprichoso porque é seu boi de coração. A diretoria da agremiação o aceitou e, foi para arena pela primeira vez nesse festival de 2019.
Nessa jornada no Caprichoso, acabou conhecendo David Assayag, Edmundo Oran e o príncipe do boi.  

Começou a desenhar, como autodidata, e quando chegou em Parintins se inscreveu no Liceu de Artes. Seus professores acabaram se surpreendendo com seu talento, mesmo com problemas motores. Como tem dificuldades com as mãos, desenvolveu uma técnica só sua, para manusear o lápis de desenho. Já participou de exposições do liceu de artes. A mais recente foi com um projeto de artes, na exposição Espaço Meu Teu Nosso.

Realização da mãe

Ele aprendeu a escrever com quatro anos. Isso foi uma realização enorme para sua mãe, que pensava que por causa de sua deficiência na mão, não poderia desenvolve a escrita. “Foi uma alegria imensa para mim, ver meu filho escrevendo. Nunca me deu trabalho”.  
Agora com onze anos, aproveita a vida com suas ocupações e descobrindo seus talentos.  E o mais importante, tornando-se feliz, esquecendo as dificuldades com a família unida.


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